O julgamento realizado pela Corte de Apelação do Leste do Caribe (“Eastern Caribbean Court of Appeal”) envolvia as ações de uma Business Company (“BC”) localizada nas Ilhas Virgens Britânicas (“BVI”) que foram dispostas por meio de um testamento lavrado no Catar.
Com a decisão, a Corte consolidou o entendimento de que: (i) ações de uma BC são consideradas como bens móveis; (ii) como consequência, podem ser dispostas através de testamento lavrado no estrangeiro; e (iii) o trânsito em julgado ocorrido no exterior deverá ser respeitado pelas Cortes das Ilhas Caribenhas.
O Caso
Após o falecimento e a abertura do inventário de um cidadão catariano residente em Londres, descobriu-se que ele havia lavrado, em 1990, um testamento oral junto ao poder judiciário do Catar.
No documento, o testador dispunha 20% dos seus bens móveis e imóveis para a sua irmã, sobrinha e um terceiro sem grau de parentesco. Dentre os bens móveis, encontravam-se as ações de uma empresa localizada em BVI.
Mesmo diante das apelações iniciadas, no Catar, pela viúva e filha do testador visando invalidar o testamento, todas as decisões locais de 2º grau confirmaram que o documento possuía elementos para ser considerado como válido.
Durante o processo sucessório, porém, ambas a viúva e a filha obtiveram uma Letter of Administration de BVI, documento que designa a administração de bens de um falecido a pessoas específicas quando esses mesmos bens não forem dispostos por testamento. Essa Letter, no entanto, não mencionava a existência de um testamento lavrado no Catar.
O julgamento foi trazido para a competência de BVI quando os indivíduos beneficiados pelo testamento buscaram invalidar a Letter obtida pela viúva e filha do testador. Além disso, os beneficiários buscaram obter a confirmação de que a viúva e a filha não poderiam mais buscar discutir, judicialmente, a validade do testamento lavrado no Catar.
Julgamento
A Corte Caribenha seguiu o entendimento das Cortes catarianas, no sentido de considerar o testamento lavrado neste país como sendo aplicável sobre os bens presentes em BVI.
A principal questão sobre a validade do testamento recaía sobre se ele, lavrado de forma oral, seria considerado como válido e eficaz em BVI.
A fundamentação utilizada pelas autoridades foi a de que os princípios de common law, aplicáveis à jurisdição, regem os requisitos que determinam se os testamentos lavrados no exterior são, ou não, válidos e eficazes em BVI.
Também, como regra geral, a sucessão de bens imóveis localizados em BVI obedecerá às regras locais, independentemente do último local de residência do falecido. Por outro lado, a sucessão sobre bens móveis deverá observar as regras aplicáveis na jurisdição de domicílio do falecido.
Ações de uma BC como bens móveis
Nesse sentido, a Corte Caribenha classificou que ações presentes em uma BC são consideradas como bens móveis, não se aplicando nesse caso o artigo 245 da Lei das Sociedades Comerciais de BVI (Section 245, Business Companies Act).
O artigo em referência observa que quaisquer discussões envolvendo a titularidade e/ou jurisdição competente sobre ações de uma BC serão de competência da jurisdição onde as ações estejam localizadas, ou seja, em BVI.
Porém, na ótica das autoridades, a disposição do artigo 245 não altera a natureza das ações de uma BC para bens imóveis. Questões sobre titularidade e jurisdição competente deverão respeitar as leis do local onde as ações estão localizadas, porém, esse mesmo princípio não se estende para outras matérias, como sucessão, julgou a Corte Caribenha.
Por esse motivo, a sucessão sobre as ações de uma BC em BVI deverão obedecer às regras sucessórias sobre propriedade móvel do último país onde o falecido esteve domiciliado.
Isso implica que um testamento lavrado no exterior que disponha essas mesmas ações poderá ser considerado como válido e eficaz em BVI, por exemplo.
Coisa julgada
O julgamento abordou, igualmente, o fato de que a apelação proposta, em BVI, pela viúva e filha do falecido visava desconstituir uma matéria já julgada pelas Cortes catarianas. Em outras palavras, a ação proposta em BVI abordava a mesma matéria de fato que fora discutida no Catar pelas partes: a validade e eficácia do testamento.
Nesse aspecto, as autoridades caribenhas analisaram como sendo aplicável o princípio da coisa julgada. Assim, elas fundamentaram que fatos materialmente idênticos julgados por uma jurisdição estrangeira competente não poderão ser alterados posteriormente por outro órgão, mesmo que localizado em outro país.
Desse modo, a Corte Caribenha estabeleceu que as apelantes não poderiam mais trazer a mesma matéria ao poder judiciário local, encerrando-se a elas a possibilidade de alterar, em BVI, a decisão tomada pela Corte do Catar.
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Publicado em 27 de maio de 2022