A Comissão de Constituição e Justiça (“CCJ”) aprovou o Projeto de Lei nº 4.758/20 (“PL”), o qual busca regulamentar o contrato de fidúcia no Brasil, figura similar aos Trusts de jurisdições anglo-saxônicas.
Para que a lei seja promulgada, no entanto, é necessário que os plenários da Câmara e do Senado, e, posteriormente, o Presidente da República aprovem o referido projeto.
Trust e Contrato de Fidúcia: Características e Diferenças
Ambos os institutos nascem a partir de uma relação contratual composta por um dotador, um administrador e um patrimônio a ser transferido. A principal finalidade de ambas as figuras é separar um conjunto de bens do dotador para que, assim, sejam utilizados para atingir uma finalidade específica, sob gerenciamento do administrador.
Em razão disso, ambas as figuras são marcadas pela confiança investida pelo dotador em relação ao administrador dos seus bens.
Em ambos, há uma separação entre os bens do dotador e os que irão compor a estrutura do Trust ou, no caso da fidúcia, que pertencerão a um acervo patrimonial distinto. O objetivo dessa distinção patrimonial é proporcionar uma blindagem, também conhecida como patrimônio de afetação, a qual evita que questões judiciais enfrentadas pelo administrador não se estendam aos bens do dotador.
Porém, mesmo diante de similaridades, ambos os institutos possuem suas raízes em jurisdições com tradições jurídicas distintas. No caso de países que são derivados da cultura anglo-saxônica (como o Reino Unido), o instituto legal que rege essa relação de confiança entre as partes é denominado de Trust.
Por outro lado, as jurisdições que possuem origens na cultura romano-germânica (como o Brasil, Itália, Portugal e Alemanha, por exemplo) reconhecem essa mesma relação contratual através do contrato de fidúcia.
Finalidades
Dentre as possibilidades que ambos os institutos oferecem, destaca-se a sua utilização para fins sucessórios.
Isso se deve pelo fato de ser possível determinar regras específicas sobre a forma de distribuição do patrimônio abrangido pelo Trust e pela fidúcia. Nesse aspecto, o dotador poderá estabelecer que esses mesmos bens deverão ser distribuídos a certos indivíduos sob condições específicas, as quais se relacionam com a pretensão sucessória do dotador.
Aliado a isso, é possível que o contrato de instituição do Trust ou da fidúcia seja elaborado de modo a limitar a atuação e quaisquer intervenções dos beneficiários no patrimônio. Essa situação confere uma maior durabilidade ao patrimônio administrado sobre o Trust e a fidúcia, podendo ele perdurar por gerações após o falecimento do dotador.
Reconhecimento pelo Brasil
Atualmente, o Brasil não possui regramento específico sobre os Trusts, seja ele de ordem de direito civil ou tributário. Por isso, é possível atestar-se uma certa insegurança jurídica sobre matérias tributárias que envolvam as operações de um Trust que possuam reflexos no Brasil ou para seus residentes.
Essa situação faz com que os contribuintes brasileiros que se envolvam com um Trust estejam sujeitos aos entendimentos da Receita Federal no âmbito tributário. Nesse aspecto, uma decisão judicial em 2020 seguiu o entendimento definido pela Receita Federal ao estabelecer que distribuições feitas por um Trust aos beneficiários são consideradas como rendimentos no exterior, estando sujeitas à alíquota do IR, portanto.
Mesmo que ocorra a regulamentação do contrato de fidúcia pelo Brasil, caberá posteriormente ao poder legislativo ou judiciário definir se essas mesmas regras se estenderão a figuras estrangeiras similares, como o Trust.
O Projeto de Lei
Dentro desse panorama, o ponto central do projeto é sistematizar a matéria referente ao contrato de fidúcia, preenchendo também lacunas existentes na legislação atual.
Mesmo assim, na redação atual, o legislador deixa de abordar sobre aspectos essenciais quanto à tributação das operações que envolvam um contrato de fidúcia, seja ele celebrado no Brasil ou no exterior.
Por isso, mesmo que o reconhecimento legislativo sobre a matéria ser um avanço, entretanto, ainda será necessário aguardar o posicionamento da receita sobre os reflexos tributários das atividades atinentes à fidúcia.
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Publicado em 26 de setembro de 2022